Perda de benefícios ameaça mais delatores da Lava Jato
A decisão do Ministério Público Federal de rever a delação da JBS não é a primeira reviravolta em acordos de colaboração ao longo da Operação Lava Jato.
Omissões, suspeitas de mentiras e o não fornecimento de documentos foram algumas das razões para procuradores pedirem à Justiça a suspensão de benefícios dados a delatores. Nem o primeiro delator da Lava Jato, Paulo Roberto Costa, um dos símbolos da operação, escapou.
Um dos principais casos foi o do empresário Fernando Moura, preso em 2015 na mesma fase do ex-ministro José Dirceu e suspeito de receber propina. O caso envolveu até o descarte de depoimentos.
Sob o compromisso de contar o que sabia, Moura disse que Dirceu o orientou a deixar o país na época do escândalo do mensalão.
Saiu da cadeia meses depois. Ouvido no início do ano seguinte no processo contra o ex-ministro, recuou em parte de seu relato. Depois, pediu para depor novamente e disse ter mudado a versão devido a uma "ameaça velada".
O juiz Sergio Moro não aceitou a explicação e escreveu que as "idas e vindas" nos relatos do delator "impactaram de forma irrecuperável a sua credibilidade". "A colaboração não torna o criminoso confiável, pois pode estar faltando com a verdade, incriminando terceiros, para obter benefícios. Daí a necessidade de suas declarações encontrem sempre prova de corroboração", afirmou o juiz na ocasião.
Depoimentos, que se restringiam a confissões de crimes e acusações sobre o esquema na estatal, acabaram descartados. Moura voltou para a cadeia, mas foi para prisão domiciliar por ordem do Supremo Tribunal Federal em novembro passado.
Os casos de outros delatores questionados ainda não foram decididos pela Justiça.
Em 2016, a força-tarefa considerou que os ex-sócios Roberto Trombeta e Rodrigo Morales, suspeitos de operar pagamentos de propina no âmbito da Petrobras, deixaram de entregar em seus acordos documentos "relacionados a fatos criminosos" e não pagaram a multa compensatória.
No caso de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, o Ministério Público Federal considerou que ele e seus parentes "faltaram com a verdade" em uma ação penal em que era acusado de retirar provas de um escritório no dia em que foi deflagrada a primeira fase da Lava Jato, em 2014.
Em alegações finais, os procuradores afirmaram que isso significa descumprimento do acordo e que os benefícios dados ao réu não deveriam ser mantidos nesse processo. O ex-diretor ainda precisa cumprir medidas estabelecidas no compromisso, como ficar em casa à noite. Essa ação, porém, está desde março aguardando sentença de Moro.
'RECALL'
O caso mais recente ocorreu com o ex-senador pelo PT Delcídio do Amaral, delator desde 2016. O relato dele sobre uma tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró é usado em uma ação penal contra o ex-presidente Lula que tramita em Brasília.
Mas, em alegações finais, o procurador Ivan Marx pediu no dia 1º a absolvição de Lula e defendeu que os benefícios de Delcídio não deveriam ser mantidos devido a "sonegação da verdade" e a "falsas imputações de fatos a terceiros".
Outra delação que gerou uma crise em Brasília, a do ex-presidente da estatal Transpetro Sérgio Machado, também se tornou alvo durante investigação. Uma delegada da PF finalizou, em julho, seu relatório em um dos inquéritos originados pelo acordo dizendo que a colaboração foi "ineficaz" e que Machado não é "merecedor" de benefícios.
As controvérsias das delações também incluem novas rodadas de depoimentos para corrigir omissões, apelidadas de "recall".
Pivô da primeira denúncia contra o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), o lobista Julio Camargo não delatou inicialmente o peemedebista -só o incriminou depois que procuradores apontaram em reunião evidências de que ele vinha escondendo informações. Depois, Camargo se explicou afirmando que se sentia medo da reação de Cunha.
(Fonte: Folha de S. Paulo)