Governistas agora fazem contas de qual ‘reforma’ da Previdência é possível

O dia seguinte à blindagem que barrou a investigação de Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça é de juntar os cacos da base do governo – o mais explícito balcão de negócios da história recente. O que une os principais partidos que derrubaram Dilma Rousseff – PMDB, PSDB, DEM, PSD, SD, PR, além de outros menores que votam conforme o preço – para pôr Michel Temer no poder são as “reformas”. E a bola da vez dos patrocinadores do golpe – o mercado financeiro e seus agentes nos meios de comunicação – é a Previdência. Todos sabem que se não votarem algo neste ano não vai sei no ano eleitoral de 2018 que irão conseguir.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), absorveu esta encomenda e começou o dia preparando a Casa para discutir a reforma “possível” a partir de novembro. O relatório final da CPI da Previdência, apresentado na segunda-feira, é solenemente ignorado pelos congressistas, com a ajuda dos meios de comunicação comerciais. O texto identificou a sonegação, o uso inadequado de recursos da Seguridade Social pelo governo, o avanço da informalidade – ou seja, gestão da Previdência e gestão da economia – como alguns dos principais elementos de desequilíbrio.

Mas para o governo alguma coisa tem de sair. Maia sabe que o projeto de reforma (PEC 287) tal como foi concebido não tem a menor chance de passar. Nenhum político quer ser fiador de um governo com 3% de aprovação para levara adiante um dos direitos mais sagrados para os trabalhadores – o de poder descansar um dia com um mínimo de dignidade. Rodrigo Maia lida bem com o discurso do mercado para tentar inverter a lógica da previdência pública, classificando-a de “maior transferência de renda do mundo de pobres para ricos”. Ele destacou a fixação da idade mínima e as regras para servidores públicos.

“É óbvio que um sistema onde 7 milhões de pessoas representam um déficit de R$ 150 bilhões por ano e um número de quase 30 milhões de pessoas representam um valor do déficit igual, tem coisa muito errada. A gente tem que priorizar a idade mínima, precisa priorizar a reforma do serviço público e convencer a sociedade e os parlamentares de que essa não é uma pauta contra o Brasil, contra os brasileiros”, afirmou. Mas misturar idade mínima com distorções do serviço público não é honesto.

Do ponto de vista da sustentabilidade, ambos os temas já haviam recebido tratamento antes de esta reforma se tornar uma obsessão. A combinação de idade com tempo de contribuição já está prevista na fórmula 85/95 (que chegaria em 2022 a 90/100). E a subordinação do regime do serviço público ao mesmo teto do regime geral – com a respectiva criação de um fundo complementar pago pelos empregadores (o Estado) e os beneficiários – também já estava em fase de implantação, de modo a incidir sobretudo sobre as próximas gerações de trabalhadores do serviço público.

Mas o que ganharia o sistema financeiro privado – que tem nos planos de aposentadoria complementar um de seus grandes filões – com um sistema público de previdência capaz de promover distribuição de renda, com participação da sociedade na gestão e sustentado por um mercado de trabalho aquecido e com elevado nível de formalização?

De todo modo, ao colocar no poder um governo que já tem 90% de rejeição, um presidente e dois ministros acusados de crimes graves, além de alguns operadores importantes presos, como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, agora Henrique Eduardo Alves, além do famoso homem da mala, Rocha Loures, o mercado não pode exigir muito mais. O que se tentará aprovar ainda este ano, no entanto, será movido, como tudo neste governo até aqui, a falta de escrúpulo.

Da média entre a falta de escrúpulo e o prejuízo eleitoral no ano que vem – e nos seguintes – sairá a considerada “reforma possível” pretendida por Maia. Desinformação por parte da mídia comercial e propaganda enganosa paga pelos cofres públicos não faltarão.

(Fonte: Paulo Donizetti de Souza, Rede Brasil Atual)

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