Reforma não prevê limites para adoção de trabalho intermitente
Prevista na reforma trabalhista, a regulamentação do polêmico contrato de trabalho intermitente não prevê restrições nem salvaguardas para os trabalhadores, como ocorre em outros países – Itália, Portugal e Alemanha. Por meio deste tipo de contrato, o empregado aguarda o chamado da empresa para trabalhar por determinado período (horas, dias ou meses).
Na Itália e em Portugal, por exemplo, há a previsão de pagamento de uma compensação pelo período de inatividade e só setores com períodos de maior demanda podem adotá-lo- como o de alimentação e hotelaria.
Há também limites de idade e de duração do contrato. Na Itália, só podem ser contratados os trabalhadores com menos de 25 anos ou com mais de 55 anos, com permissão em negociação coletiva ou pelo Ministério do Trabalho.
O trabalho só é permitido por um período de 400 dias a cada três anos com o mesmo empregador, com exceção dos setores de entretenimento, turismo e serviços em locais abertos ao público. Se for ultrapassado, o contrato passa a ser por tempo integral e prazo indeterminado.
Em Portugal, a legislação prevê que a prestação de serviço não pode ser inferior a seis meses por ano, dos quais pelo menos quatro meses devem ser consecutivos. O empregador precisa avisar o funcionário com pelo menos 20 dias de antecedência.
Na Alemanha, a legislação estabelece número mínimo de horas a serem prestadas pelo empregado. São três horas consecutivas por cada dia solicitado e pelo menos dez horas semanais.
Sem limites, segundo o advogado Paulo Fernandes, a regulamentação do trabalho intermitente por meio da reforma trabalhista, ao mesmo tempo que poderá retirar trabalhadores da informalidade, não impedirá a troca de contratos por empresas que empregam hoje pessoas com carteira assinada e em tempo integral.
O advogado realizou um estudo para comparar a regulamentação em outros países com o substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.787, aprovado pela Câmara – que traz outras formas de contratação (leia mais na página E2). "O texto não traz salvaguardas para os trabalhadores e nem limites para a sua aplicação, ao contrário do que ocorre na Itália, Portugal e Alemanha, que seguem o sistema romano germânico ou civil law, como o Brasil", diz. Nesse sistema, a construção do direito se baseia unicamente no legislador.
O projeto de lei, de acordo com o advogado, deixa em aberto o conceito de trabalho contínuo – o que daria margem para essa substituição. Apenas afirma que no trabalho intermitente deve ocorrer alternância entre períodos de serviço e de inatividade.
"O correto seria o meio termo. Que a legislação traga uma salvaguarda maior, para que não se torne apenas a troca de um trabalhador com um melhor salário por um que ganhe menos", afirma Fernandes.
Segundo ele, apesar de ter sido apresentada emenda ao projeto para que fossem incluídas salvaguardas, o relator do projeto de lei na Câmara dos Deputados, Rogério Marinho (PSBD-RN), rejeitou a modificação.
A regulamentação, prevista no artigo 452-A do projeto, estabelece apenas que o contrato seja celebrado por escrito e contenha valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor da hora do salário mínimo e nem do devido aos demais empregados da empresa que exerçam a mesma função.
A convocação para a prestação de serviços deverá ser feita com pelo menos três dias de antecedência. O empregado terá um dia útil para responder e seu silêncio caracterizará recusa. Ao aceitar a oferta de trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, terá que arcar com uma multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
Esse trabalhador terá carteira assinada, mas não contrato de exclusividade com o empregador. Ao final de cada ciclo de prestação de serviço, o empregado receberá a remuneração, as férias proporcionais com o acréscimo de um terço, o 13º salário proporcional, o repouso semanal remunerado e os adicionais legais. E a empresa terá que recolher contribuição previdenciária e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Para Luiz Marcelo Góis, professor de direito do trabalho da FGV e sócio do Barbosa, Müssnich, Aragão, essa modalidade de contratação é a que gera mais crítica. "O meu receio é que crie no empregado uma situação de incerteza. É como se fosse um freelancer de carteira assinada. Não se sabe quanto vai ganhar e nem quando vai trabalhar. A vantagem é que se pode ter dois ou três empregos", afirma.
No Brasil, como a modalidade não foi regulamentada, há condenações quando verificada habitualidade – como convocar para o trabalho todo fim de semana – segundo Ronaldo Tolentino, advogado trabalhista do Ferraz dos Passos.
De acordo com ele, o trabalho intermitente é a única modalidade que poderá diminuir um pouco a informalidade. "Muitos já trabalham no regime intermitente nos bicos", afirma. O regime é diferente dos temporários, que tem uma destinação específica – como cobrir férias ou licença.
Da forma como está redigida, a regulamentação se afasta do que foi estabelecido em países como Itália, Portugal e Alemanha e se aproxima do sistema jurídico anglo saxônico, usado nos Estados Unidos e no Reino Unido, segundo o advogado Paulo Fernandes.
Nos Estados Unidos, os funcionários, em geral de lojas varejistas e restaurantes, só têm conhecimento da escala de trabalho com pouca antecedência e há grandes oscilações nas horas de trabalho. Diante dos impactos negativos desse tipo de contratação, oito Estados e o Distrito de Columbia redigiram as chamadas leis "reporting-time pay", que exigem um pagamento de um valor mínimo aos empregado.
No Reino Unido, esse contrato é também chamado de zero hora, que se caracteriza pelo fato de não haver garantia de número de horas a serem trabalhadas. Em 2014, o governo britânico proibiu o uso de cláusulas de exclusividade nesses contratos.
Fonte: Valor Econômico)