Terceirização só serve para descumprir as leis, apontam juízes trabalhistas

A terceirização é sempre fraudulenta porque ela representa a intermediação de um terceiro entre capital e trabalho que não se justifica e não se legitima. Quem defende essa ideia é o juiz da 12ª Vara do Trabalho de Recife, Hugo Cavalcanti Melo Filho.

Como a maioria de seus colegas que atuam no Judiciário trabalhista ele também é contra os projetos que tratam desse modelo de contratação, especialmente nos moldes em que são discutidos.

Em tramitação no Senado, o PLC 30/2015 (projeto de lei complementar) passou pelo crivo de assembleias populares em todos os estados – leia mais abaixo – que o rejeitaram de maneira unânime. Principalmente, por defender a terceirização sem limites, inclusive na atividade principal da empresa, algo que a legislação atual proíbe. 

Porém, insatisfeita com a vontade popular, a bancada dos empresários na Câmara resolveu ressuscitar o PL 4.302/98 (projeto de lei), engavetado durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e que está na pauta para ser votado pelos parlamentares nesta terça (21).

Enviado ao Congresso pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o PL 4.302 trata do trabalho temporário, mas traz a terceirização sem limites como armadilha. Caso seja aprovado na Câmara, o texto dependerá apenas de sanção presidencial.

Melo Filho aponta que não há nada além do lucro dos empresários com base na precarização das condições do trabalhador que justifique a medida.

“A figura do intermediador é apenas para fraudar direitos, porque o terceirizado, por não se vincular à empresa principal, não tem os mesmos direitos. Acredito que 70% das ações que vão à Justiça do Trabalho envolvam terceirização, porque nelas está a maior quantidade de descumprimento da legislação trabalhista”, afirma.

A posição é muito semelhante à defendida pela juíza da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre Valdete Severo. Doutora em Direito do Trabalho pela USP (Universidade e São Paulo), ela diz ser algo comum julgar casos em que a empresa terceirizada desaparece sem pagar direitos.

“Na maior parte desses casos o pessoal foi despedido sem receber rescisão e há ainda problemas em setores específicos e majoritariamente terceirizados, como o telemarketing, onde impera o assédio moral. Semana passada eu fiz uma instrução em que própria empresa admitiu colocar num telão no ambiente de trabalho o momento em que o operador faz a pausa. E se for pausa para o banheiro, isso fica visível para qualquer um, causando grandes constrangimentos”, exemplificou.

Negócio lucrativo…para o patrão
A avaliação de Valdete é que o projeto avança a toque de caixa porque encontra respaldo também no poder público, especialmente no ilegítimo Michel Temer (PMDB), em dívida com os financiadores do golpe.

O Rio Grande do Sul, explica, é um exemplo de como muitos gestores cruzam os dedos para ver avançar a terceirização sem limites. Por lá, a batalha é para evitar que o governo de José Sartori (PMDB) acabe com importantes fundações estatais.

“O que acontece no Rio Grande do Sul é o que acontece em outros estados do Brasil. Um projeto de diminuição do Estado naquilo que ele tem de prestação social. No pacote de Sartori que acaba com oito fundações, entraram organizações muito importantes nas áreas de tecnologia, botânica e a TV Cultura. Isso com um pretexto de economizar, mas foram contratados trabalhadores emergenciais para fazer transição nas fundações, o que significa gasto para o governo. Dá a sensação de que não é questão econômica, mas ideológica”, critica.

Enquanto para Melo filho a terceirização, coração do projeto de reforma Trabalhista, representa ampla vantagem para as empresas que desejam acumular cada vez mais, na visão de Valdete o texto não traz preocupação nenhuma com o trabalhador terceirizado.

“Não vai ter regulamentação nenhuma, não há essa preocupação, até porque não acrescenta direito algum para os terceirizados. Todos já estão previstos na legislação trabalhista. A precarização é que será chancelada. O mal que já é a terceirização, que retira direito às férias, reduz salários e aumenta o número de acidentes de trabalho será potencializado. Os projetos de lei representam uma quebra na espinha dorsal do direito do trabalho”, defende ela.

Golpe dentro do golpe
Para a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, se o PL 4302 for aprovado, não será necessária a reforma trabalhista mais.

“As atrocidades desta medida não param na liberação da terceirização em todos os setores, inclusive o serviço público. Você vai ter também a anistia para empresas que foram notificadas pela Justiça por não cumprirem a lei, vai aumentar a possibilidade de trabalho temporário, vai sucatear tudo. Só sobraria a questão do negociado sobre o legislado para discutir. E num mercado todo terceirizado, imagina como estará a organização sindical e a proteção dos trabalhadores num processo de negociação. O golpe dentro do golpe estará dado”, falou.

Ela também lembrou o caráter autoritário da lei, que não passou por discussão com a sociedade. “Quando chegou ao Senado e virou PLC 30, o senador Paulo Paim (PT-RS), relator da matéria, fez audiências públicas em assembleias legislativas lotadas. Em todas havia uma carta aprovada contra terceirização na atividade-fim e não se está considerando nada do que debateu. Estão virando as costas para a população”, criticou.

Ataques por todos os lados
Em 2003, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs a retirada de tramitação do PL 4302, mas o texto ficou engavetado. Ao comando de Temer, a Câmara ressuscitou a medida, que foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça com relatoria do deputado Laercio Oliveira (SD-SE).

Antes, já havia recebido parecer favorável na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público pelo relator, deputado Sandro Mabel (na época PR-GO), assessor especial de Temer no Palácio do Planalto.

Tanto Oliveira quanto Mabel são empresários, o primeiro, ex-presidente da Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza Conservação (Febrac), setor em que impera a terceirização, e atualmente ocupa o cargo de vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

A arapuca armada pela Câmara ataca em duas frentes: atualmente, a legislação permite que o temporário seja contratado em caso de “necessidade transitória de substituição” ou “acréscimo extraordinário de serviços”. Caso em que o trabalhador é afastado por licença ou no comércio durante o Natal, portanto, em caráter excepcional.

Os temporários devem ter asseguradas as mesmas condições dos empregados permanentes da empresa tomadora de serviço em pontos como férias, repouso semanal remunerado, adicional por trabalho noturno, indenização por dispensa sem justa causa ou término normal do contrato.

Mas o PL elimina o caráter ‘extraordinário’ da contratação ao aumentar a permissão do trabalho temporário para seis meses, com possibilidade de até mais 90 dias, eliminando, portanto, o conceito de temporário. O temporário também não terá direito à multa de 40% sobre o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e ao aviso prévio em casos de demissão sem justa causa.

Além disso, autoriza a implementação na atividade-fim da empresa, a principal, e nas atividades rurais. Na prática, a terceirização sem limites, o que permitirá a existência de empresas sem trabalhadores diretamente vinculados. Atualmente, apenas é permitida a terceirização em atividades de apoio como limpeza e alimentação.

Nessa relação entre patrões e trabalhadores, a responsabilidade deixa de ser solidária e passará a ser subsidiária. No primeiro modelo, a empresa contratante paga os direitos e salários devidos pela terceirizada, caso esta desapareça e deixe o trabalhador na mão, caso muito comum nessa forma de contratação. No segundo caso, o empresário só pagará se a Justiça assim determinar após longa batalha jurídica.

Frente golpista
Antes deste projeto entrar em pauta, a CUT e representantes dos movimentos sindical e sociais já lutavam contra o PLC 30/15, em tramitação no Senado e que tem origem no PL 4330/2014, de Sandro Mabel (PR-GO), aprovado na Câmara por 324 votos favoráveis contra 137 e duas abstenções.

O texto aprofunda um cenário nocivo à classe trabalhadora. Segundo o dossiê “Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha”, lançado em fevereiro deste ano pela CUT e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), os terceirizados ganham 25% menos, trabalham quatro horas a mais e ficam 2,7 anos a menos no emprego quando comparados com os contratados diretos.

Favorece ainda situações análogas à escravidão. O documento aponta que, entre 2010 e 2013, entre os 10 maiores resgates de trabalhadores escravizados, nove eram terceirizados.

(Fonte: Luiz Carvalho – CUT Nacional)

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