Greve geral no Brasil: dos anarquistas ao ‘derruba general’
No próximo 28 de abril, centrais sindicais vão se unir em um movimento contra reformas propostas pelo governo Temer nas áreas previdenciária e trabalhista, além da recém-aprovada lei que amplia a terceirização. Para alguns, trata-se de um dia nacional de paralisação. Para outros, de uma greve geral, expressão mais popular e que no Brasil está completando 100 anos neste 2017.
O primeiro movimento de que se tem registro ocorreu em São Paulo, em meados de 1917, em um período de forte influência anarquista, mas também com participação dos socialistas. Era o início da organização operária no país. Época também marcante do início da mobilização social que daria suporte ao fim da chamada República Velha, no começo dos anos 1930, que ainda veria surgir, em 1937, o Estado Novo de Getúlio Vargas. Em 1943, viria a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), hoje objeto de "reformas" por parte do governo Temer, outro dos motivos para a paralisação do dia 28.
Depois da histórica greve de 1917, que durou três dias e paralisou a capital paulista, alguns movimentos foram registrados, por exemplo, nos anos 1950 – quando se consolidava um período de industrialização e de organização sindical no Brasil. Também durante e após a ditadura, na década de 1980, quando se cunhou o bordão "a greve geral derruba o general", referência ao período autoritário.
1917: São Paulo parada
A cavalaria avançou contra os operários durante protesto diante da Tecelagem Mariângela, empresa do grupo Matarazzo inaugurada em 1904 na Rua Monsenhor Andrade, no bairro operário do Brás, centro paulistano, e tombada em 1992. No ataque, morreu com um tiro no peito o jovem José Martinez, 21 anos, espanhol, sapateiro e anarquista.
Era 9 de julho de 1917, ele havia chegado ao Brasil com sua família em janeiro. O cortejo fúnebre, dois dias depois, tomou a região central rumo ao Cemitério do Araçá, e depois para a Praça da Sé, em uma "das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo", segundo relato de Edgard Leuenroth, tipógrafo, jornalista, condenado naquele ano como um dos articuladores da greve geral, a primeira de que se tem registro no Brasil. O movimento teria atingido 50 mil pessoas, quando a cidade tinha 500 mil habitantes.
Leuenroth (1881-1968) ajudou a formar um grande arquivo sobre a memória operária, hoje sob responsabilidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Naquele ano de 1917, criou o jornal A Plebe, sob orientação anarquista, que exercia forte influência entre os trabalhadores.
O cortejo de Martinez saiu da Rua Caetano Pinto, no Brás – onde hoje fica a sede nacional da CUT. A família do operário morava no número 91 daquela rua, um reduto da colônia italiana, cujo nome, dado um ano antes, faz homenagem a um tenente-coronel. A multidão se concentrou desde as 7h, "sob intenso frio e chuva fina", conta o jornal Fanfulla: "Homens, mulheres e crianças acotovelavam-se e agitavam bandeiras vermelhas à espera do funeral". Martinez era funcionário de fábrica de calçados Bebê, cujos empregados se organizaram para ajudar a família.
O corpo saiu às 8h30, e a cidade parou: Avenida Rangel Pestana, Ladeira do Carmo, Rua XV de Novembro, Rua São Bento, Viaduto do Chá, Rua Barão de Itapetininga, Praça da República, Avenida Ipiranga, Rua da Consolação. O povo foi estimado em 10 mil pessoas.
Já no cemitério, com discursos em português, italiano e espanhol, falaram, entre outros, Leuenroth, de A Plebe, e Thedoro Monicelli, do jornal socialista Avanti, relata a pesquisadora Christina Lopreato, em sua tese de doutorado em História, apresentada em 1996. Entre outras reivindicações, eles pediam soltura de grevistas, liberdade de organização e aumento salarial. Monicelli afirmou, segundo texto do Fanfulla citado pela pesquisadora, que era preciso "induzir o governo e o poder municipal a pôr fim no aumento dos gêneros alimentícios, pois de nada adiantava conseguir um aumento de 20% se os preços continuavam a subir".
A Mariângela tinha 1.800 ou até 2.500 funcionários, conforme a fonte de informação, na maioria mulheres, que predominavam no setor têxtil. Também havia muitos menores de idade trabalhando em fábricas, onde não havia quaisquer "condições de trabalho". Reajuste salarial era algo fora de cogitação.
Mas o operariado começava a se organizar. Até hoje, há um debate sobre as origens da greve de 1917: espontânea ou organizada? Alguns pesquisadores apontam a primeira opção, mas autores como Christina Lopreato e Luigi Biondi destacam que já havia uma organização em curso no Brasil. O mundo sofria novas influências.
"De forma geral, o ano de 1917 foi caracterizado mundialmente por toda uma série de protestos, motins e greves sem precedentes, cujo evento maior foi – como todos sabemos – a revolução russa, momento ligado exatamente a processos de organização sindical e política, no qual misturavam-se fenômenos de autoconstituição e de intervenção política e organizativa externa nas organizações operárias, mas que surgiam de um estado de revolta aberta que ia além da luta contratual entre empresários e trabalhadores usualmente praticada", escreveu o professor Biondi em 2009.
Em reunião no mesmo dia 11, após o enterro de Martinez, o Comitê de Defesa Proletária e dezenas de organizações se reúnem e aprovam uma pauta com 15 itens. Eles querem libertação de presos durante a greve, garantia de não punição a quem participar do movimento, reajuste salarial, jornada de oito horas diárias, fim de exploração de mão de obra de menores e de mulheres no período noturno. Também foram incluídas reivindicações como redução no preço dos aluguéis e garantia de que inquilinos não fossem despejados.
No dia seguinte, 12 de julho, param padeiros, leiteiros, trabalhadores dos serviços de gás e luz. "A cidade amanheceu sem pão, sem leite, sem gás, sem luz e sem transporte. A atividade industrial foi paralisada. O comércio fechou as portas. Teatros, cinemas e casas de diversão adiaram as programações. O tráfego de bondes foi interrompido. (…) Os paulistanos jamais tinham presenciado um movimento de tal envergadura", narra Christina Lopreato. Foram registrados vários confrontos pela cidade. A greve estava deflagrada. Outras pessoas morreriam em conflitos naqueles dias.
Alguns empresários cedem e concordam em dar 20% de aumento, entre eles um dos mais resistentes, o comendador Rodolfo Crespi, batizado de "Barão da Greve". No dia 8, uma comissão de trabalhadores do Cotonifício Crespi havia reivindicado 20% de aumento, negado pela empresa, que tinha mais de 900 italianos entre seus 1.300 funcionários. O local abriga hoje um hipermercado, perto do estádio do Juventus, conhecido como Rua Javari, mas o nome oficial homenageia o comendador.
Uma comissão de jornalistas foi formada para intermediar um acordo. As negociações começaram no dia 14, um sábado, e prosseguiram pelo fim de semana, incluindo o presidente (equivalente a governador) de São Paulo, Altino Arantes. Surgiu uma proposta que incluiu libertação de presos, direito à associação, esforços para evitar altas de preços e falsificação de produtos alimentícios e medidas para evitar trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos. Três comícios foram realizados na segunda-feira, 16 de julho, no Largo da Concórdia, na Lapa e no Ipiranga, aprovando o acordo.
Foi "a primeira grande batalha do trabalho", disse o Comitê de Defesa Proletária em manifesto. Se não conseguiram todas as reivindicações (desideratuns, no termo em latim), "ficará como exemplo para todos aqueles que contra o direito à vida das classes trabalhadores até hoje têm oposto a sua brutal resistência e violência".
Panelas vazias, ruas cheias. A greve geral de 1953
No final de março de 1953, uma comissão denominada Estudos e Combate à Carestia da Vida, em São Paulo, clamava por uma “solução imediata da situação de angústia e calamidade pública em que se encontram os trabalhadores e o povo em geral”. Estava para começar a chamada Greve dos 300 mil, movimento que uniu cinco categorias por quase um mês e representou o embrião de organizações intersindicais que dariam o tom dali em diante, pelo menos até 1964. Não era pouca gente: a população da cidade em 1950 era de 2,1 milhões. Mais do que o resultado econômico em si (basicamente, 32% de reajuste, ante uma reivindicação de 60%), foi também um desafio à legislação antigreve da época. E o questionamento sobre indicadores de custo de vida começaria a dar corpo a um instituto de pesquisas dos próprios trabalhadores, que surgiria dois anos depois.
Eram tempos difíceis. Na década de 1950, como lembra o pesquisador Murilo Leal, havia inicialmente escassez de produtos básicos – talvez ainda consequência do pós-guerra – e posteriormente uma alta da inflação. No final daquele período, observa no livro A Reinvenção da Classe Trabalhadora (1953-1964), “o abastecimento popular não estava plenamente regularizado e apresentaram-se novas dificuldades decorrentes da corrosão dos salários”.
“Essa greve é o marco de um processo de conquista de legitimidade”, diz Leal, professor de História do Brasil na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Ela desafia a legislação que vem do final do Estado Novo, com o exercício do direito de sair à rua, da mobilização. Conquista esse direito na prática.” A Constituição de 1937, criada sob influência do Estado Novo, a ditadura varguista, instituía a Justiça do Trabalho para dirimir conflitos e era dura, para dizer o mínimo, na definição de greves. Em seu artigo 139, estabelecia: “A greve e o lock-out são declarados recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
Segundo Leal, o movimento teve dois componentes básicos. O primeiro, o pedido de aumento salarial para as categorias (metalúrgicos, têxteis, gráficos, marceneiros e vidreiros). “Havia também a reivindicação que vai marcar as greves de todo aquele período, que é o congelamento de preços dos gêneros da cesta básica.”
Reorganização
O pesquisador observa que o país passava por certo momento de “descompressão”, após um período de perseguição sistemática aos sindicatos. Depois de um processo de reorganização sindical – “mais dentro da fábrica”, aponta Leal –, o governo Dutra interveio em centenas de entidades em 1948. De volta ao poder em 1950, Getúlio Vargas encontra um movimento sindical esvaziado. E inicia “uma abertura tênue”, que vai dando seus passos. Em 1952, o presidente extingue a exigência do atestado de ideologia – a CLT vedava a eleição em entidades de representação profissional daqueles que tivessem “ideologias incompatíveis com as instituições ou os interesses da Nação”. Em meados do ano seguinte, nomeia João Goulart para o Ministério do Trabalho.
O pesquisador Hélio da Costa, do Instituto Observatório Social, vê na greve de 1953 “a grande retomada do movimento sindical depois de um período de repressão do governo Dutra” e com alguma distensão promovida por Vargas. E o movimento, segundo ele, de certa forma “atravessa” os sindicatos, já que tem como base a organização nos locais de trabalho, com comissões de greve e de salários. Um dos trabalhadores organizados na Elevadores Atlas, por sinal, era um jovem de 20 anos ligado ao Partido Socialista chamado Paul Singer, hoje secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego.
Comunistas
Socialistas e comunistas lideravam o movimento. Costa cita nomes como Antônio Chamorro, “o Lula da época”, e Carlos Marighella. Em biografia sobre o líder comunista publicada no ano passado, o jornalista Mário Magalhães lista outro militante, que se tornaria conhecido no meio esportivo: “João Saldanha, o Souza, foi o pombo-correio que transmitiu as instruções de Marighella aos sindicalistas do PCB em 1953.”
Costa lembra ainda que, nesse período, o sindicalismo entra na rota dos líderes políticos, de várias tendências, tornando-se “objeto de disputa não só da esquerda, mas também ao centro e à direita”, com a maioria tentando criar suas bases sindicais. Mas muitos adotam posturas “hesitantes” em relação ao movimento. “Essa atitude vai permear os anos 50 e 60: ora dialoga, ora negocia, ora, por pressão de empresários, vai reprimir os trabalhadores”.
Segundo o pesquisador, um dos legados da greve dos 300 mil foi a articulação entre os sindicatos, que resultou, por exemplo, no Pacto de Unidade Intersindical, o PUI. “De certa forma, é uma ruptura da estrutura sindical e suas limitações. O movimento sindical dá um salto de qualidade organizativo”, observa. Posteriormente, surgiria o Pacto de Unidade e Ação (PUA), criado já no governo João Goulart, e o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), entidade de cúpula que reuniria os principais líderes sindicais do período – mas teria vida curta, devido ao golpe de 1964.
Antes disso, e na sequência dos movimentos iniciados em 1953, o movimento sindical criaria no final de 1955 um instituto de estudos e pesquisas, em contraponto aos formuladores de índices econômicos da época, considerados suspeitos. “O Dieese faz parte dessa rearticulação e da reivindicação dos trabalhadores de ter uma entidade em que confiassem, que fosse uma referência”, afirma Hélio da Costa. Para Murilo Leal, a criação do Dieese surgiu a partir de uma “aliança com economistas e outros intelectuais por uma outra verdade sobre o mundo do trabalho”. Foi um “movimento de contra-hegemonia”, define.
Outros movimentos históricos do século 20
1983: nasce a CUT
Entre o movimento de 100 anos atrás e o surgimento do novo sindicalismo, a partir dos anos 1980, o mundo do trabalho experimentou grandes transformações. No plano da regulamentação, a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, e a Constituição de 1988 contribuíram para solidificar uma visão mais civilizatória da relação capital-trabalho. A primeira, ainda sob a ditadura do Estado Novo; a segunda, em plena reconstrução democrática depois do golpe de 1964.
Veio do novo sindicalismo a inspiração para a construção da greve geral convocada para 21 de julho de 1983. O pano de fundo foi a paralisação dos petroleiros de Paulínia, no interior de São Paulo, e de Mataripe, na Bahia, atingindo as refinarias do Planalto (Replan) e Landulpho Alves (Rlam). O governo, ainda sob o comando de um general-presidente (João Figueiredo), havia baixado o Decreto-lei 2.036, de 28 de junho, restringindo salários em estatais e direitos de funcionários novos.
Em 13 de julho, viria o DL 2.045 – com uma política salarial que limitava os reajustes a parte da inflação –, em que o governo diz que "as perspectivas da política econômica para os próximos anos estão a exigir a efetiva participação do povo brasileiro no programa de estabilização da economia nacional". Mesmo com Brasília sob estado de emergência, em outubro o Congresso derrubou esse decreto. Outros viriam.
Paulínia parou na noite de 5 de julho, antecipando em oito horas o movimento previsto para as 7h30 do dia seguinte, e na Bahia a greve começou no dia 7. O governo reagiu com intervenção no sindicato paulista e em outras entidades. No ABC, os metalúrgicos decidiram cruzar os braços em solidariedade aos petroleiros. Foi uma semana de paralisação, durante a qual centenas de funcionários da Petrobras foram demitidos. Mas o movimento é considerado um marco na resistência à ditadura civil-militar, que cairia formalmente em 1985.
Então secretário-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Gushiken (1950-2013) lembrou em depoimento de um período mais delicado da entidade, por causa da cassação da diretoria no período. "A subsistência financeira e política se deu num quadro completamente adverso, porém se deu em um contexto político de ascenso das lutas reivindicatórias das massas, que permitia que uma direção, mesmo sem o aparato burocrático, mas gozando da legitimidade da categoria, dirigisse o movimento", afirmou, em depoimento ao site ABC de Luta.
A cassação da diretoria e a nomeação de um interventor foi uma retaliação do regime ao envolvimento da entidade dos bancários na greve. A intervenção duraria de agosto daquele ano até março de 1985, quando Gushiken seria eleito presidente do sindicato, semanas antes da morte de Tancredo Neves – cuja morte, anunciada em 21 de abril, levou ao poder José Sarney.
"O jornal diário (Folha Bancária) nunca foi paralisado, mesmo na época da cassação, e nossas reuniões foram realizadas em vários lugares. E isso vai até 1985, quando se faz a grande greve nacional (dos bancários), infringindo uma derrota aos banqueiros", disse Gushiken. Ele e Gilmar Carneiro, outro diretor afastado, chegaram a ser indiciados pelo Dops.
Pouco mais de um mês depois da greve dos petroleiros, em congresso realizado entre 26 a 28 de agosto em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, seria fundada a CUT. Era o desfecho de um processo aberto dois anos antes, com a realização da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em Praia Grande (SP), que reuniu todas as tendências do movimento sindical, mas se dividiu em alguns temas-chave – como o da formação de uma central. Depois do congresso que criou a CUT, em agosto de 1983, ocorreria outra conferência, três meses depois, quando a sigla Conclat passou a significar "Coordenação", juntando o grupo que originaria a CGT, em 1986 – a central se dividiria em duas em 1989.
Primeiro presidente da CUT, o metalúrgico Jair Meneguelli considera a greve de 1983 "totalmente política". "Estávamos em um congresso em Piracicaba, passamos em Paulínia e ali nós resolvemos pedir à nossa categoria que se solidarizasse com os petroleiros", recorda. Era um tempo em que greve era sinônimo de proibição. "Nossas greves sempre foram decretadas ilegais", lembra.
Ele mesmo chegou a ser preso durante panfletagem, em 1979, diante da Fris Moldu Car, fábrica localizada em São Bernardo. "A maioria saiu correndo, eu não corri. Aí fui dar uma volta de camburão, que nem carga."
Na greve dos metalúrgicos em 1980, a diretoria comandada por Luiz Inácio da Silva, o Lula, foi presa. Para manter o funcionamento do sindicato, Meneguelli lembra que havia o chamado Grupo dos 16, metalúrgicos que participavam das discussões da diretoria, mas não tinham mandato. Nessa época, as reuniões tinham de ser precedidas de alguma cautela, em locais só conhecidos na última hora. "Geralmente era o Bargas (Osvaldo Bargas, ex-diretor) que escolhia. Ele marcava um ponto em determinado lugar, a gente pegava um papelzinho com o local da reunião."
A primeira greve geral, com divergências, foi um marco da reorganização sindical no Brasil, depois de duas décadas de repressão. "O ano de 1983 que, fora do centro, divide a década, foi aquele em que a oposição (vitoriosa nas eleições estaduais de 1982) e o movimento sindical derrotaram no Congresso Nacional, pela primeira vez, um decreto-lei da ditadura (o 2.045, de arrocho salarial) e o movimento sindical paulista realizou a greve geral unitária de 21 de julho", escreveu, em 2014, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, na Agência Sindical. "Mas os trabalhadores assistiram também, neste ano, a divisão orgânica de seu movimento com o congresso, em agosto, da CUT em São Bernardo e a Conclat, em novembro, na Praia Grande, que daria lugar à CGT."
1986: planos cruzados
Seria o governo Tancredo Neves, mas era o governo José Sarney, o vice (oriundo do regime anterior) que assumiu em 1985 com a morte do titular da chapa, encerrando 21 anos de militares na Presidência da República. No final de fevereiro de 1986, o governo lança o primeiro Plano Cruzado, um ataque "heterodoxo" à inflação, que no ano anterior havia chegado a 239%. A Fazenda era comandada por Dilson Funaro.
O plano trazia congelamento de preços e criava um "gatilho salarial": reajuste automático sempre que a inflação atingisse 20%. O presidente pediu que todos fiscalizassem os preços, e surgiu a expressão "fiscal do Sarney". O consumo explodiu, o desemprego caiu. A euforia durou pouco tempo – houve desabastecimento e volta da inflação –, mas foi suficiente para impulsionar o PMDB, que ganha quase todos os governos estaduais. Surge, então, o Cruzado 2, logo depois das eleições. Meses depois, Funaro é demitido e substituído por Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Desgastado, o governo ensaiou um discurso de "pacto social" envolvendo trabalhadores e empresários, mas a iniciativa não prosperou. Jair Meneguelli lembra bem dos pedidos de pacto, como o proposto pelo então ministro do Trabalho de Sarney, Almir Pazzianotto.
"Nós não fomos. Era impossível fazer um pacto, porque era abrir mão do que já tínhamos perdido. Um pacto pressupõe cada um abrir mão de alguma coisa, nós não tínhamos mais o que abrir mão. Só se falava o bolo vai crescer, vai ser dividido, vai crescer, vai ser dividido… O bolo crescia e não era dividido." A expressão sobre o bolo foi cunhada, originalmente, pelo ministro da área econômica na ditadura Delfim Netto.
Toda greve tem "duas faces", observa Meneguelli, mas a de 1986 foi basicamente de motivação econômica, com a inflação descontrolada. "Era terrível. A gente fazia greve nas categorias, repunha parte da inflação, mas na semana seguinte já estava a inflação de novo. Tinha de correr contra o tempo para ganhar da maquininha", diz, em referência à máquina de remarcar preços, muito comum em supermercados.
1989: clima eleitoral
Em 1989, o Brasil voltaria a ter uma eleição para presidente da República, a primeira desde 1960. O motivo principal para a greve convocada para 14 e 15 de março pela CUT e pela CGT, únicas centrais existentes na época (a Força Sindical surgiria em 1991), era outro plano de estabilização – a inflação havia fechado o ano anterior perto de 1.000% –, o Verão, pilotado por Maílson da Nóbrega, o mesmo que hoje dá aulas de como sair da crise, mas a pauta incluía assuntos como reforma agrária e não pagamento da dívida externa.
O movimento atingiu todo o país, em alguns locais com mais intensidade. Os ônibus não circularam em São Paulo, por exemplo. O número de usuários caiu aproximadamente 40% no Metrô. As centrais estimaram a adesão em 70% no país. Entidades patronais, como Fiesp e Febraban, afirmaram que a adesão na capital paulista não passou de 30%. Logo após a greve, a ministra do Trabalho, Dorothea Werneck, afirmou que o governo discutiria com trabalhadores e empresários um novo cálculo de reposição de perdas salariais, mas disse que a medida já havia sido decidida antes de paralisação.
A campanha eleitoral ainda não havia começado, mas o tema já agitava o país. O ex-presidente da CUT lembra, por exemplo, de uma divergência pública com o então secretário-geral do PT, José Dirceu, para quem a greve geral poderia prejudicar a candidatura Lula. Possivelmente não teve influência. Lula superou Leonel Brizola e foi ao segundo turno contra Fernando Collor.
2017: contra reformas
"Para mim, greve é sempre resultado do fracasso de um diálogo. Ninguém gosta de fazer greve", analisa Meneguelli, para quem não faltam motivos para protestar atualmente. "Terceirização aprovada ao arrepio do movimento sindical, uma reforma da Previdência sem transparência, sem participação de toda a sociedade…" Ele lembra que, quando deputado, retomou um projeto sobre terceirização, "discutido amplamente" com os vários atores sociais. "Não havia nenhuma regulamentação. Não havia regras, nenhuma proteção."
O projeto chegou a ser aprovado e seguiu para o Senado, mas foi, segundo Meneguelli, desfigurado pelo relator, o ex-governador da Bahia Paulo Souto. Com mudanças, voltou para a Câmara e terminou engavetado.
O ex-presidente da CUT diz que preferia usar outros termos em vez de "greve geral", difícil de organizar em um país do tamanho do Brasil. "O que era preciso era ter paralisações em todos os estados, e isso a gente conseguia."
Ele recorda ainda das dificuldades de organizar um encontro naquele período (anos 1980), quando não havia celular e nem redes sociais. "Hoje, em uma semana, você convoca 1 milhão de pessoas para uma manifestação. Chamar os sindicatos para o congresso de fundação da CUT (em 1983) era um trabalho de alguns meses." Para ele, o movimento sindical precisa conhecer melhor suas bases, ouvir mais os trabalhadores. "O perfil mudou. Estamos perdendo para as redes sociais."
(Fonte: Vitor Nuzzi – Revista do Brasil)