Segundo Del Roio, mundo tem hoje mais de 50 milhões de escravos

Vivemos a época com maior número de escravos na história. A afirmação, em entrevista à Agência Sindical, é do experiente historiador José Luiz Del Roio, também escritor e ex-senador pela Itália. Segundo Del Roio, que já foi exilado e viveu na condição de apátrida, “a ONU estima entre 50 e 54 milhões de pessoas escravas ou em condições assemelhadas à escravidão”. 

“A criação da miséria e a exploração de escravos são condições do capitalismo”, observa, ressaltando que a Portaria 1.129/2017 do governo Temer – que dificulta a fiscalização do trabalho escravo – não pode ser vista fora de contexto. Del Roio diz, com ênfase: “Eles não são burros. Eles são maus”.

 

 

Modos – “Claro que não é mais aquela figura do acorrentado e chicoteado. As formas de escravatura se modificaram. Não se compra e vende mais com escritura, no mercado legal”, explica. Segundo o historiador, atualmente vários países da África e da Ásia são fornecedores da mão de obra a ser explorada, em diversas atividades e também no trabalho sexual.

Para o ex-senador, são muitos os motivos e as fontes fornecedoras de mão de obra escravizada. Diz ele: “Há as minorias raciais, os refugiados de guerra, as rixas tribais, a intolerância religiosa muitas vezes construída e orquestrada, as vítimas de acidentes climáticos e os que se rendem em razão da miséria mesmo”.

Escala – José Luiz Del Roio mostra que a escravidão tem escala. “Não é o sujeito isolado que explora o outro. Há toda uma rede e infraestrutura, muito dinheiro que circula, inclusive por dentro dos bancos. Existe também a omissão dos Estados organizados ou de Estados desagregados por potências estrangeiras, como a Líbia. Lá, eles vêm aos milhares do centro da África, se posicionam no Sul do território Líbio e dali são enviados para países da Europa, geralmente em embarcações precárias, que muitas vezes naufragam”, comenta.

Esse escravo moderno, quase sempre de baixa instrução, muitas vezes é jogado num país estranho, de língua estranha, sem documentos, sem dinheiro, sem condições de retornar à sua terra. “Muitos são encaminhados à agricultura. Um setor que os ocupa é a produção de tomates, onde trabalham durante 12 ou mesmo 16 horas diárias, vivem em cabanas, recebem salários ínfimos. Terminou a colheita, são descartados, simplesmente”, ele conta.

Consequências – Tais condições geram esgotamento e doenças. Estimulam também a prostituição. “Hoje, muitas são buscadas na Nigéria. São jogadas nas ruas em locais com neve, adoecendo facilmente. Trabalham uns poucos anos e já não servem mais, devido às péssimas condições de vida e ao clima”. A prostituição, explorada por máfias, também atinge crianças. De acordo com Del Roio, o esquema mafioso se apropria de todo o dinheiro faturado e as mulheres ficam na total dependência.

Rede – O comércio que busca escravos, explora e também escraviza sexualmente é organização complexa, porque, segundo Del Roio, gera muito dinheiro, requer uma rede capilar pra captar escravos principalmente em vilas pequenas próximas ao campo, precisa dispor de transporte, esquema de entradas clandestinas, meios de recolher o dinheiro. “Há, sem dúvida, uma estrutura empresarial de alto nível, que precisa ter uma certa escala”, observa.

Tecnologia – O desenvolvimento tecnológico e o próprio aparato dos Estados poderiam ser mais eficazes na prevenção ou repressão ao escravagismo. O Comissariado da ONU atua, mas é insuficiente frente à demanda, mesmo nos campos de refugiados.

José Luiz Del Roio conta que o socialista utópico Saint Simon (nobre; viveu de 1760 a 1825), ao ver que o capitalismo estava criando máquinas, vislumbrou a oportunidade de erradicar a miséria nas cidades europeias. Num congresso na Inglaterra, apresentou seu projeto de acabar com a miséria, mas foi refutado e acusado de louco. Ele arremata: “Acabar com a miséria não faz parte do projeto capitalista. Eles, aqui ou lá fora, não são burros. Eles são é maus”. 

 

Fonte: Agência Sindical

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