Brasileiros precisam conhecer os riscos do PLC 79 antes que seja tarde

Em janeiro, período de férias escolares, o desejo de muitos brasileiros e brasileiras – que ainda gozam deste direito – é estar desconectado da Internet. Porém, o que representa um descanso para determinados setores sociais é a realidade cotidiana de moradores e moradoras de cidades interioranas, bairros periféricos e várias regiões Brasil afora durante o ano inteiro. Eles vivem nos 46% de domicílios que, de acordo com a última pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), não tem conexão com a rede. E, se depender do Congresso Nacional e da política adotada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), assim continuarão.

Com a volta do recesso parlamentar, o plenário do Senado Federal pode votar, a qualquer momento, o PLC 79/2016. O texto, aprovado de maneira célere na Câmara, chegou ao Senado em dezembro de 2016 e, em uma semana, já estava na mesa do então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para envio à sanção do presidente Temer. Um recurso assinado por um conjunto de senadores, de diferentes partidos, foi protocolado para que o PL também fosse discutido em plenário.

À época, Calheiros ignorou a medida e mandou o texto para o Planalto, em seu último dia à frente do Senado, 31 de janeiro de 2017. O conflito foi parar no Supremo Tribunal Federal e o ministro Luís Roberto Barroso devolveu o PL para o Senado concluir a votação, respeitando os ritos da Casa. A questão, agora, está nas mãos do atual presidente, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Tanta polêmica não é injustificada. O PLC 79/16 modifica a Lei Geral de Telecomunicações e acaba com a figura das concessões na prestação de qualquer serviço da área. Seu objetivo principal, ao fazer isso, é autorizar a migração do serviço de telefonia fixa, hoje prestado em regime público – com obrigações de universalização, modicidade tarifária, metas de qualidade e continuidade – para o regime privado, via simples autorizações do Estado às operadoras.

Pelo projeto de lei, neste processo, os bens considerados essenciais à prestação do serviço de telefonia fixa – chamados de bens reversíveis, que deveriam voltar às mãos do Estado ao final dos contratos de concessão –, continuarão com as teles mediante compensação via investimento em suas próprias redes.

O problema é definir o valor desses bens e onde devem ser feitos os investimentos. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), trata-se de R$ 100 bilhões de reais em infraestrutura. A Anatel, que desde a privatização, em 1998, não realizou um acompanhamento eficiente da gestão e alienação desses bens, fala em R$ 20 bilhões de reais. Em meio à agenda de congelamento nos gastos públicos e retirada de direitos, o ministro do MCTIC, Gilberto Kassab, que trabalha fortemente pela aprovação do PLC 79, está às vésperas de dar mais de R$ 80 bilhões de presente para as concessionárias de telefonia.

Além de transferir para o patrimônio privado das empresas toda essa infraestrutura estratégica, ao acabar com a figura das concessões, o projeto ainda diminui as atribuições da agência reguladora e pode resultar em serviços ainda mais caros, sem previsão quanto à melhoria da qualidade.

Pesa no argumento das principais interessadas na mudança – as teles – que a telefonia fixa, tida como serviço essencial há alguns anos, hoje não é mais. O que o empresariado do setor parece não querer levar em conta é que, por mais que a telefonia fixa não seja um serviço de primeira necessidade, grande parte da infraestrutura construída, com subsídios públicos, para levar este serviço à população brasileira, hoje é usada para a oferta de um serviço inegavelmente essencial, inclusive de acordo com o Marco Civil da Internet: o acesso à banda larga.

Vinte anos após o lançamento comercial do serviço de conexão à Internet em seu território, o Brasil, que está entre as dez maiores economias do mundo, tem pouco mais da metade de seus domicílios conectados. Considerando as diferenças entre regiões do país, a situação é ainda mais preocupante. No Nordeste, apenas 40% dos domicílios estão conectados. No Norte, este índice é de 46%; no Sul, de 52%; no Centro-Oeste, de 56% e, no Sudeste, de 64%.

O PLC 79, entretanto, não estabelece onde a suposta contrapartida das operadoras pelo recebimento dos bens reversíveis deverá ser investida, deixando o caminho aberto, inclusive, para o aumento das desigualdades regionais e de estrato social ocasionada pela lógica de mercado em termos de conectividade. Modificar a LGT sem garantir o acesso à internet em áreas pouco atraentes à iniciativa privada (as mais carentes do serviço, consequentemente) é assinar um cheque em branco para as companhias.

A essencialidade da internet para a garantia de outros direitos não é apenas uma previsão da principal lei brasileira para o setor. Trata-se de um consenso global, conforme defendeu Frank La Rue [1], então titular da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Daí a importância de que ao menos os grandes troncos da rede de transporte da banda larga sejam geridos em regime público, visando a universalização do acesso ao serviço. O PLC 79/16, infelizmente, vai no sentido oposto.

Nas próximas semanas, o presidente Eunício Oliveira pode decidir se votará o texto no plenário do Senado ou se o devolverá para apreciação em outras comissões, conforme recursos de alguns partidos. Se aprovado no Senado sem modificações, o projeto segue para sanção de Temer. Articulações da sociedade civil como a Campanha Banda Larga É Direito Seu e a Coalizão Direitos na Rede, das quais o Intervozes faz parte, seguem fazendo oposição ao texto, por entenderam que a essencialidade do acesso à Internet e o interesse público não podem ser sobrepostos pelos interesses comerciais e políticos que orientam a votação do PLC 79.

 

Fonte: CUT Brasil

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